terça-feira, 20 de março de 2012

Apontamentos para 'Myra, loira e morena'



Myra de voz colocada e cabelo oxigenado.
 Vou voltar á minha cor normal, como todas as outras, assim sou igual a todas as outras. Fala ao espelho, de voz colocada e trejeitos de vadia – assim a chamam na rua. Myra que agora pinta o cabelo de castanho, voltando ás origens, voltando a ser morena, viveu o inferno pensando ser o êxtase enquanto esfaqueava os pequenos. Agora é morena e pensa que é como todas as outras na prisão, as prostitutas, as drogadas e as assassinas. Saí da sua cela e todas a olham.
 Ela é a mesma! Pode pintar o cabelo ou mudar a cara toda, mas para mim será sempre a cabra que matou todas aquelas crianças. O gajo não tem culpa, ela é que puxava os fios! Acredito, por Deus que ela é o demónio. 
 Se não o é, chegou lá perto. 
 Myra de voz colocada e cabelo castanho.
 Myra com os mesmos olhos e boca -  a vaca que matou todas aquelas crianças! As mulheres falam entre si e Myra passa como uma sombra por entre elas na sala de convívio. É um mito entre as presidiárias, de duas faces: a admiração pela figura e nojo pela mulher. As mães não falam dela pois isso desperta sentimentos de homicídio. Myra Hindley pensa em morrer? Não acredita no Paraíso nem no Inferno, como pode? Ao enterrar Keith Bennett sentiu algo quente a apodera-la , algo maternal. Nesse momento sorriu como se fosse uma criança. O corpo de Keith Bennett, o corpo da criança deu-lhe a alegria da recordação, de quando brincava nas ruas, quando a sua mãe lhe dava umas moedinhas para comprar gelados que não sabiam a nada. Quando se toca o paraíso em vida, não se consegue acreditar nele depois da morte. E sendo assim como pode querer morrer? Myra escreve no seu caderno:
a morte é morrer, acabar, deixar de existir – eu não quero isso, quero esta vida e este oxigénio. 
 Myra de voz colocada arrepende-se do cabelo castanho. 
 Não mudou nada, continuou a mesma, apenas morena. Perante a violência dos seus dias bloqueia, já não é a mesma. Matou e violentou com calma, com tempo e com paz. Ironicamente, na prisão, tempo é ouro que falta.

R.d. P.F.

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